terça-feira, 11 de janeiro de 2011

ONG enfrenta percalços e renova propósitos para 2011

Criada em 2004, a partir de um convênio firmado entre o CENTRO CULTURA MUSICAL DE CAMPOS (CCMC) e o Sistema Nacional de Orquestas Juveniles e Infantiles de Venezuela (FESNOJIV), em 1996, a ONG ORQUESTRANDO A VIDA (ORAVI) vem mudando o destino de centenas de jovens e crianças desde então e, apesar de todas as dificuldades, pretende continuar a fazê-lo nesse 2011 que se inicia. Ensinando não apenas música, mas disciplina, responsabilidade e companheirismo, através de atividades práticas e teóricas de bases agregadoras, a ORAVI oferece, hoje, formação para o mercado de trabalho e perspectivas de um futuro melhor para quase 1.200 alunos, oriundos dos estratos menos favorecidos da sociedade. Seja cantando, tocando ou servindo de monitores, os bolsistas aprendem a cada dia que o esforço é recompensado e que o sucesso é medido menos em talento e mais em dedicação. Preparam-se, assim, para reencenar histórias que compõe o mosaico de experiências sobre o qual se ergue a própria instituição, como provam relatos recolhidos entre alunos e professores.


POSSIBILIDADES DE CRESCIMENTO

Maestrina das Orquestras Infantis A e B e professora de violino, Fernanda Morais tem 22 anos e há 15 estuda no CCMC. Começou a estudar violino aos sete anos de idade. Galgou os estágios de aprendizado e, há três anos, rege as Orquestras Infantis. Além disso, compõe a Orquestra Jovem Mariuccia Iacovino, braço mais avançado da prática musical na instituição. Sua trajetória, entretanto, é peculiar a outros professores da ONG. Isabela Biancardini e Marcos Antonio Rangel, por exemplo, têm biografias semelhantes. Ela é professora de violoncelo e maestrina das Orquestras Sinfônicas Escola A e B, e ele, maestro da Orquestra Sinfônica Infanto-juvenil. Embora não sejam fruto do ensino bolsista da ORAVI, uma vez que iniciaram seus estudos ainda antes da criação desta, possuem vivências exemplares no que tange às possibilidades dos bolsistas, alguns dos quais já caminham em trilhas semelhantes.

— Há cinco anos, minha filha Elizimara freqüenta a ONG. Quando começou, não sabia nada sobre música, ainda assim, com um mês de aula, já estava apta a se apresentar. Aprendeu prática e teoria e seguiu desenvolvendo aquilo que descobriu ser um dom. Hoje, ela monitora outros alunos e deseja seguir como profissional na música — diz Mariane Sousa da Silva Barbosa, de 42 anos, mãe de Elizimara Sousa da Silva Barbosa, de 17.

Com o jovem Anderson Barros Bragança, de 15 anos, aconteceu de forma semelhante.

— Meu filho está há cinco anos no projeto. Embora sempre tenha sido meio levado e desobediente, a música o ajudou perceber os limites, a desenvolver responsabilidade e a se tornar mais maduro que a maior parte dos jovens da mesma idade. Ele tem como objetivo ser músico e, hoje, trabalha na ONG — destaca Mara Beatriz Andrade Maia, de 44 anos, finalizando — Para nós é muito bom, pois, além do auxílio financeiro, ele tem acesso a outro mundo, outras culturas. Gosto muito do projeto e fico muito feliz que meu filho esteja participando.

PROTEÇÃO, PERSEVERANÇA E RESPONSABILIDADE

Há aqueles alunos que, embora integrem um dos 23 corais ou uma das cinco orquestras da ORAVI, ainda não decidiram se vão acolher a música como profissão. Mesmo assim, apesar da incerteza da continuidade, esses bolsistas vêm aferindo resultados que transformaram não apenas sua forma de lidar com o mundo, como suas práticas diárias. Entre os benefícios mais apontados pelas mães estão a distância das ruas e o aumento da responsabilidade, além da recuperação da auto-estima.

— Matheus era uma criança triste, algo que mudou apenas quando ele passou a estudar na ORAVI. As viagens fazem com que ele fique muito feliz. Ele vai bem no colégio e os professores da dão muita força. Fico muito satisfeita, pois meu filho não está na rua, fazendo bobagem. Vai de casa para a ONG, da ONG para o colégio, do colégio para casa. Lá ele tem horário para chegar. É muito bom. Não tenho do que reclamar. Se ele gosta, eu também gosto — garante Zelina Pereira da Silva, que, com 53 anos, é mãe de Matheus Pereira Basílio, de 15.

Maria das Neves Machado, de 44 anos, mãe de Maria Cecília Machado Manhães, de 12, e Larissa Amélia Machado Manhães, de 14, ambas matriculadas em cursos da ORAVI, faz coro.

— O ritmo dos estudos musicais trouxe disciplina, às minhas filhas. As crianças ficaram mais organizadas, responsáveis e melhoraram seu desempenho na escola. Para mim é maravilhoso. Não penso em tirá-los daí nem pensar — revela Maria, ressaltando que, embora Maria Cecília ainda tenha dúvidas, Larissa já sabe o que quer da vida — Ela tem vontade de seguir na música. Quer fazer faculdade. Eu já quis ser pianista, mas estudei pouco e tive de parar. Então, é um sonho ter uma filha musicista.

Tia biológica de Ana Idalini Maria Passos, de 16 anos, Jozenir Pinto Maria, de 43, criou a sobrinha quando a mãe, que criara a garota até então, faleceu. Com o esmero e orgulho que apenas uma mãe é capaz de ter, fala das escolhas da jovem.

— A ONG mudou a vida de Ana, que começou a estudar aos 10 anos de idade. Ocupou o tempo ocioso, dando estudo e conhecimento quando ela ficaria na rua ou em frente à TV. Trouxe, para ela, também grande maturidade. Ainda pré-adolescente, ela já sabia o que queria para sua vida e traçou metas claras. Quer viver da arte, tanto do violino, quanto do canto. É o orgulho da família — diz, ressaltando que o talento com a voz foi descoberto aos 13 anos de idade, época na qual todos os alunos passam pelos coros.

OPORTUNIDADES TRANSFORMADORAS

Porém, não é apenas a experiência diária, dentro das salas de aula e dependências do CCMC que ensinam. A vida itinerante de um músico reserva lições proporcionais ao vulto de cada investida. De acordo com professores da ORAVI, isso pôde ser especialmente percebido durante a recente viagem à Bolívia, que, primeira turnê internacional de grande parte dos alunos que compõe a Orquestra Sinfônica Jovem Professora Mariuccia Iacovino, foi composta de três apresentações, ocorridas em setembro último, nas cidades de La Paz e El Alto, por ocasião da oitava edição do celebrado “Festival del Sol".

— A oportunidade de tocar em outro país, ser considerado uma personalidade, saber o que é uma turnê, é algo muito importante para os alunos. A conquista da Bolívia foi importante, pois, naquele momento, eles sabiam onde estavam, o que queriam e o que pretendiam a partir de então. Nós, que viemos de uma classe social mais simples, aprendemos desde cedo que o sonho é bom, mas que não é para todo mundo. Enquanto músico, aprendi que, sim, o sonho é bom e é para todos. Dedicação e trabalho fazem as oportunidades iguais — diz o maestro Rangel.

A maestrina Biancardini ressalta os aspectos de troca de conhecimento e de aprendizado.

— Para os alunos, a turnês trouxe uma bagagem cultural muito grande. Eles puderam perceber que existem movimentos sinfônicos fora de Campos, de sua realidade cotidiana. Eles puderam conhecer pessoas novas, bem como uma cultura completamente distinta. Isso é especial. Muda a concepção das pessoas.

Já a maestrina Morais, destaca justamente o que foi aprendido antes, nos ensaios e nos esforços para a captação do dinheiro para financiar a viagem, processo do qual todos participaram.

— Acho que o primeiro grande benefício para os alunos foi a experiência de lutar para ir. A busca incessante por meios de viajar e pelo aperfeiçoamento técnico para fazer bonito lá possibilitou a cada um deles crescimento individual. Aprenderam que se você corre atrás e planeja, você consegue o que deseja. Musicalmente, houve um crescimento de escala semelhante, pois foi necessário que se dedicassem muito para apresentar concertos dignos de todo o esforço. Não havia a opção de chegar até lá e falhar e eles tiveram de lidar com essa noção.